domingo, 24 de junho de 2012

Sobre Medicina, Resgate, Culpa,Arrependimento e Alívio

Este fim de semana eu participei de um curso, o ACLS.
 Um curso voltado para emergência médica, onde se aprende a atender alguém em parada cardiorrespiratória, e a dar os primeiros socorros fora do hospital também.

Bom, pra começar foi um desafio, algo completamente fora da minha realidade, e de qualquer ginecologista, diga-se de passagem.
 Nós não somos os responsáveis por este tipo de atendimento nos hospitais, mas claro que é sempre bom aprender. Conhecimento nunca é demais.

Eu costumo dizer que nós ginecologistas, deixamos um pouco de ser médico, pensando neste sentido de salvar vidas. 
Não me desmereço ao falar isto., até porque acho meu trrabalho super importante.

Eu garanto uma vida sexual saudável e protegida.
Eu melhoro a qualidade de vida, quando atenuo um sangramento menstrual, uma TPM ou trato um corrimento vaginal. 
Eu quebro tabus ao dizer que ela pode desde ficar sem menstruar, como também pode usar diafragma. Depende dela.
Eu aproximo os casais, ao melhorar sua libido, por exemplo.
Eu vivo o sonho das mulheres quando as oriento aos cuidados para concepção.
Eu as escuto quando engravidar não ocorre da forma que pensavam.
Eu as acalmo, e tiro suas dúvidas quando a gravidez acontece.
Eu assisto aos partos. Digo que assisto porque na verdade, acredito que a mulher seja a grande responsável pelo seu parto , então eu não " os faço."
Eu sou seu estímulo a amamentar, como também a compreensão, se esta não for sua vontade.
Eu me policio pra não ter nenhum ( ou quase nenhum ) julgamento de valor.
Eu cuido da sua feminilidade, eu faço a sua prevençao .
Eu as vejo todo ano. 
Eu as vejo envelhecerem, ficarem mais loiras, terem outros filhos, mudarem de marido, pararem de menstruar, engravidarem.

Eu vejo um pouco de mim, em cada uma delas.
Eu tenho medo por elas e com elas.
Eu vivo meus medos nelas.
Muitas vezes eu esqueço os meus próprios medos, pensando nos delas.

Outras vezes, não.  Eu perco a paciência , ou não entendo seu ponto de vista.  Até me irrito em alguns momentos.
Tudo compreensível em relaçoes humanas.

 Aí eu percebo que preciso me desligar.
Ter meu tempo.
Até mesmo esquecê-las um pouco.
É tudo tão intenso, que há alguns anos eu resolvi reduzir bastante minha carga horária.

Mas tudo isto é um grande privilégio, uma grande troca.
E me faz, não ter a menor dúvida, quanto a escolha da minha especialidade.


Bom, voltando ao curso.
Neste curso a grande maioria dos participantes, era formada por recém formados.
Ai como foi bom resgatar esta essência!

Resgatar que o médico, que anda tão desvalorizado ultimamente, só sai da faculdade, com uma vontade : A de AJUDAR.
Ali, todo mundo ficou com o braço doendo para aprender a fazer a compressão torácica correta no boneco.
Ali todo mundo se ajudou. Fez seu melhor.

Eu não sei, mas eu voltei a acreditar, ou melhor, eu entendi porque eu continuo acreditando.
Esta é , mesmo, a essência do médico.
Nossa felicidade e trabalho bem feito é diretamente proporcional ao bem estar do cliente

 Só que ali, eles ainda não sabem que o salário está desatualizado, que os convênios tentam massacrar nossa liberdade em trabalhar.
Que muitos pacientes já irão procurá-lo com um pé atrás, desconfiados. Que gentileza passa, muitas vezes, longe dessa relação.
Então ali eu vi esta essência mais pura.
Ali eu pude enxergar sonhos e a vontade de fazer o melhor sempre!

Quando que esta relação muda ? Quando a intenção muda?
Eu não sei. Eu acho que tudo é uma questão de ação e reação.
E que não muda para todos. Aliás, muda para uma minoria.
Não dá pra generalizar.

Acredito que  a vida seja feita de ciclos.
Que este ciclo vai passar.
Esta onda de CRM de um estado, querendo interferir em outro estado., porque um médico foi favoravel a mulher escolher seu local de parto, vai virar marola em breve.
Esta forma de trabalhar, onde se mecaniza tudo, trata todo mundo igual, sem respeitar as diferenças também tem que passar.
Esta época da medicina feita cheia de critérios, por medo de um processo, também acredito que terá seu fim.  Nós temos que voltar a caminhar juntos!
E eu vi nestes meninos, um novo recomeço.
Saí feliz!!!

Eu decide não fazer a prova do final do curso.
Apesar de achar que aprendi o que era importante, e saí uma médica melhor, optei por não fazer a avaliação.
Tudo bem, de forma prática , este certificado não seria útil para mim.
Mas, não fazer por que?

Medo?
Não sei. Não faz parte de mim ter este tipo de medo, até porque eu já perdi outras provas/concursos.
Uma vez, todas minhas amigas passaram numa prova para um hospital, menos eu.
Repeti a prova uns dois anos depois e passei . Yes!
Trabalhei lá uns três meses e pedi demissão. Mas,  precisava mostrar para mim mesma , que era capaz.
Em outra ocasião, ainda na faculdade, numa seleção para um hospital, fiz a prova tão ruím que fiquei no plantão do domingo! Terrível.

Voltei para casa com um misto de sentimentos: culpa, arrependimento e alivio.
Culpa por não ter me preparado o bastante.
Arrependimento por não ter arriscado.
E alívio por saber que eu não preciso mais ser tão rigorosa comigo.
E posso dar uma vacilada , vez ou outra, que o mundo não vai acabar.

Ficou longo, né?
Reflexões de um fim de semana.



5 comentários:

  1. ficou longo mas adorei! :)
    tava com saudade de visitar esse cantinho!

    muito bom seu texto!
    bjs, boa semana.

    ResponderExcluir
  2. ficou longo mas adorei! :)
    tava com saudade de visitar esse cantinho!

    muito bom seu texto!
    bjs, boa semana.

    ResponderExcluir
  3. ivani.dias@ig.com.br25 de junho de 2012 às 21:10

    Adorei o texto.
    Não pude deixar de me emocionar, quando me lembrei de uma tarde que passei em seu consultório, com dúvida e "medo" mesmo, por conta de um problema de mamas.
    Obrigada pelo carinho, atenção, calma e principalmente profissionalismo.
    Você me fez melhor naquele dia.
    Grande beijo,
    Ivani

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    Respostas
    1. Voce é uma linda ivani!
      Imagina paciente e amiga, ansiedade dobrada!
      beijos

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