quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Carta a minha Paciente

Olá!
Tudo bem?
Como vão as coisas?
Sabe, hoje vou te contar só um pouquinho sobre mim.

Eu resolvi ser médica com 16 anos.
Sou feliz com a minha escolha, mas, às vezes fico muito cansada também.
Normal. Acho que é assim com todo mundo.


Sabe, eu tenho medo. E me preocupo muito. O tempo inteiro.
Eu tenho muito medo que as coisas deem errado.
O pior medo é que a sua cirurgia  ou o seu parto não sejam um sucesso, e você tenha uma complicação.
Mas, não é só isso. Eu  me preocupo se você tiver uma alergia com o medicamento, se sua dor não melhorar ou o anticoncepcional não funcionar.

Fuma e quer  anticoncepcional. Dou?  E se tiver algum problema?
Quer fazer terapia hormonal?  E aí, faço? Preciso acompanhar bem de perto a mama.
Tem sangramento na transição menopausal , como te convencer que o melhor é o tratamento medicamentoso?
Ou tem mioma. É pequeno. Insisto no hormônio, ou te ouço quando pede para operar?
Como explicar que o remédio demora para fazer efeito, e posso não acertar de primeira?
É assim o tempo inteiro.
Sigo as evidências ou a intuição?
 A minha ou a sua ?

Mas também fico muito feliz, o tempo inteiro.
Às vezes, " tiro a dor com a mão". Fico realizada com um parto normal humanizado.
Vibro com seu seguimento na luta contra o câncer, quando te dou boas notícias.
Adoro quando me conta que melhorou o desejo sexual, o orgasmo. Que está satisfeita.
Comemoro com você quando o remédio funciona, o sangramento para, o corrimento melhora, não doi mais para urinar.
Isso é o que me alimenta. E é do que eu mais gosto de lembrar.


Se, em algumas ocasiões, eu fui  rude ou indiferente quando fez alguma pergunta , foi  por constrangimento que me perguntasse algo que eu não soubesse. Eu não fui treinada para isso. Para demonstrar dúvida.
Fui formada para saber tudo.
 Demorei para perceber que este é um grande equívoco. O maior de todos.
Comecei a rever meus conceitos e alguns hábitos, já há um tempo.
 Mudei de opinião com você e com a vida. Sei que  o que mais espera de mim é atenção, e não uma sabedoria divina.
Aprendi  que não sou dona da verdade, e que não sei todas as respostas. Já me sinto mais livre para admitir essas e outras coisas. Pra voltar atrás, mudar de idéia, reconhecer um erro.
E, mais segura de mim para deixar você me perguntar tudo o que quiser, e, juntos, decidirmos o melhor.
Ou, eu simplesmente te digo que não sei, proponho irmos para casa, pensarmos melhor.Eu, aqui do meu lado, estudarei , pesquisarei, perguntarei aos colegas; tudo para te oferecer as melhores soluções.

Devo te avisar , que em algumas situações, eu preciso pensar rápido demais,e agir sozinha mesmo.
Essa é minha maior solidão na vida. Pelo menos, a de maior responsabilidade.
Não me permito correr riscos com você. É o meu trabalho, e claro que eu quero ser a melhor profissional possível.

Em alguns momentos nos encontramos em plantões, no SUS, não consigo mesmo te dar a  atenção que gostaria. Desculpa.
Saiba que em respeito a isso, a você e a mim, já larguei muitos empregos.


Às vezes quando você me pergunta, tem certeza Doutora?
Eu digo que sim, que tenho certeza absoluta que seu filho vai nascer saudável, que a cirurgia vai funcionar. Opto por só eu ficar preocupada  por nós duas.
Outras vezes explico algumas complicações possíveis, não é para te estressar ou amedrontar, mas para dividir com você o ônus. É importante.
Não é um serviço de satisfação garantida. Mas te garanto atenção.

O que você nem deve desconfiar, é que eu também sou paciente em algumas situações, até já fiz uma cirurgia na face. E fiquei tão vulnerável e frágil que não queria que ninguém dividisse nada comigo. Também não pesquisei nada na internet, não vi  fotos da operação.
Não fiz nada disso, porque eu sei o quanto nós médicos somos humanos e frageis.
E, do mesmo jeito que tudo pode dar certo, pode dar errado, mesmo quando tudo é feito de forma correta.


Procuro sempre te oferecer o melhor. Para isso me especializei, fiz residência, e continuo estudando até hoje.
Sinto muito, se não fui tão carinhosa ou paciente todas as vezes que nos cruzamos por aí.
Sabe, eu tenho problemas também. Já trabalhei doente, com febre, brigada com marido, cansada, preocupada, com dívidas, salário atrasado ou defazado ; e posso ter transparecido isso para você. Fui  previsível , e aqui me desculpo outra vez.
Peço desculpa pelo " indesculpável ".


Você pode não acreditar, mas tenho vida pessoal também.
Posso não atender seu telefonema imediatamente porque estou jantando, ou fazendo qualquer outra coisa particular.
Mas retornarei assim que possível.
Isso não é por falta de atenção.


E, não ponho meu trabalho acima do de ninguém.
É um trabalho como qualquer outro. E, como qualquer outro envolve um acordo, um contrato entre nós, honorários, obrigações de ambas as partes, respeito mútuo, etc.
Por isso mesmo, me desnudo aqui para você.
E espero que me entenda.
Você trabalha também, não é?

Você paga meu salário, eu pago impostos, o salário da manicure, do moço do mercado; e a vida segue.
Isto é viver em sociedade, e não deve diminuir o respeito entre nós.

Hoje eu sei que o mais importante na medicina não é curar,e sim, cuidar.
É dar atenção, ouvir, se comprometer.
E isso não se ensina nos livros ou em aula.
Isso se aprende com a vida, todos os dias.
De novo te digo, aprendi com você.
Tenha paciência comigo. Mesmo.
E que juntos a gente construa um bom relacionamento, com aprendizado, compreensão  e respeito mútuo.


Te espero por aqui, ou logo ali .
Seja sempre bem vinda.


Ah,  e por último, mas não menos importante, se for um problema para você : NÃO PRECISA ME CHAMAR DE DOUTORA. NÃO FAZ  A MENOR DIFERENÇA.

CLARO TAMBEM QUE SOU GENTE COMO VOCÊ.
 COM DEFEITOS E QUALIDADES.
COM DIAS MELHORES QUE OUTROS.


Não foi em resposta, mas sim, me baseei no que foi dito pela Mari,aqui


11 comentários:

  1. Oi querida!!!

    Não só acho válido, mas acho super importante ouvir o outro lado tb! Recebi e-mails de médicas, estudantes de medicina, fono e etc... e achei o máximo essa manifestação! Cada uma 'explicando' seus motivos!

    Mas no caso do post que fiz, deixei bem claro, inclusive escrevi em letras maiúsculas, "não são todos". Assim como qualquer outra profissão, não se pode generalizar!

    E acredite, passei por cada uma nas mãos de édicos grossos, sem tato e incompetentes, que tenho muitos motivos p/ pensar como penso. Se vc entrar em qualquer fórum de "paralisia cerebral" vc vai encontrar. "Médicos se acham Deuses, neurologistas tem certeza!" Acho que o problema maior é com essa área da medicina.

    Juro que se vc fosse GO aqui no RJ, eu iria em vc depois dessa! Vc se mostrou gente como a gente, e não em um patamor maior por causa de um diploma e residência. Por isso te convido a escrever no meu blog mostrando um pouco desse outro lado, topas?!

    As dificuldades que vcs passam, as incertezas, essa humanização, os planos de saúde, os pacientes chatos(pq não?!)rs... postarei com o maior prazer! Acho essa resposta super importante!

    Um grande beijo! Qualquer coisa meu e-mail é:

    marihartdore@hotmail.com

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  2. Claro que topo!
    Ja tá topado.
    E, olha, também existe uma escala de "deuses" entre nós medicos, e, claro os neurologistas estão no topo.
    Vou te mandar e-mail.
    Beijos

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  3. Lorena,
    Adorei o texto. De verdade. Nunca conheci nenhum médico fora do seu ambiente de trabalho e que bom que foi passar por aqui hoje e ler o seu lado da história.
    Um beijo,
    N.

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  4. Querida...tb sou médica(trabalho com medicina de família e comunidade e plantões de clínica),e simplismente amei o seu texto;vc conseguiu colocar em palavras nossas frustações,desejo de ajudar ao próximo e grande responsabilidade...PARABÉNS!!!!! Fiquei fã do seu blog... ;)

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  5. Olá, Lorena!
    Adorei seu texto resposta ao post da Mari. A Mari fez um post sincero, profundo e disse muito o que tantos de nós gostaríamos de falar a um ou outro médico que nos atende e decepciona. É certo que tem isso em todas as profissões, mas os médicos são vistos por nós, leigos, não como deuses, mas como pessoas que irão nos ajudar a sair de algum sofrimento, pois tudo o que se instala em nosso corpo e que nós não sabemos do que se trata, fica muito mais claro e fácil de tratar e enfrentar, quando temos um médico que fala conosco de maneira humanizada e como alguém que um dia poderá estar daquele outro lado da cadeira.
    Você, pelo que fala, tão jovem já sabia o que queria, com certeza é alguém que nasceu para exercer esta bela profissão, por isso é assim, uma pessoa que vê no seu semelhante alguém como você. Adorei seu post, parabéns! E adorei mais ainda ver uma médica blogando, coisa rara, quase todas, pelo menos as que eu conheço, inclusive na família, dizem que isto é para quem não tem nada para fazer na vida e que elas são muito ocupadas. Que bom saber que existem ainda pessoas como você!
    abraço carioca

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  6. AAAAAdorei a sua cartinha DOUTORA lORENA RSRSRS, o importante é voce saber que antes de ser doutora voce é um ser humano.PARABÉNS POR ESSA PROFISSÃO QUE EU ACHO LLLLLINDA.beijinhos

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  7. Tricia, volte sempre!Bom saber que gostou.
    Beth/Lilas e sex shop, obrigada pelo carinho.Apareçam sempre!
    Beijos

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  8. Irmã doutora e blogueira.. que sucesso!!!!!
    Como tb medica, adorei o texto, a verdade, a exposição, a sensibilidade, a coragem...tudo! Beijos.

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  9. Adorei seu blog, sua carta, seu relato no blog da Mari, enfim, vou acompanha-la sempre!

    Meu sogro também é GO, e é incrivel como a convivencia com ele mudou a minha visão com relação a alguns médicos, infelizmente não posso dizer todos rs

    Ele tem 70 anos, esse ano fez uma cirurgia pra remover um nóludo no cérebro, e infelizmente dai pra cá teve que se afastar. Os neuros daqui não descobrem o que houve, e ele tem momentos lúcidos e outros de demencia, é triste ver o sofrimento dele em não poder mais trabalhar quando ele cai na real e entende o que está havendo. Ele sempre diz, e as vezes chora confessando que a vida somente em casa é muito chata, ele sente a necessidade dos paciêntes dele, em passar visita e principalmente dar alta.
    Com seus 70 anos e 40 de profissão ele era um exemplo, morava em uma cidade do interior aqui no PR, atendia pelo SUS com todo prazer, isso sem contar consultas gratuitas em regiões afastadas dois hospitais. Mesmo uando a consulta era pela unimed ela não indicava cesária, meu Deus como ele me confortou quando eu precisei fazer uma.
    Ele, mesmo sendo o médico mais velho do hospital, unico que tem em Pitanga, era o médico mais dedicado, trabalhava em média 18hr por dia, dava plantão dia sim, outro sim e um dia não...
    Lógico que fincanceiramente ele tem um vida confortável, mas é por que ele merecia. Se ele fosse realmente receber pelo que fazia seria mais rico que o tal do Bill Gates rs

    Hoje eu acredito que médicos são humanos, que podem errar e adoecer. Mas foi ificil aceitar, e entender que eles também falhão. Nós paciêntes confiamos em quem escolhemos e com essa confiança acabamos sufocando o profissional muitas vezes, exigindo eficiencia imediata e respostas, esperamos que eles sejam videntes e prevejam todas as soluções. O pediatra do meu filho que diga.

    Ufa, criei um post aqui, se pudesse falaria mais e mais e mais rs, mas fico por aqui. Desejando muitos bons paciêntes a você, e esperando pelo dia que você virá para Curitiba para eu engravidar novamente, por que olhe, aqui é dificil encontrar um médico humanizado rs
    Sucesso!

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  10. Dina seja bem vinda!!
    Fico triste pelo seu sogro, mas para algumas coisas que acontecem a gente simplesmente não encontra respostas.
    Venha sempre!!!
    Beijos

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